domingo, novembro 29, 2009

A próxima crise financeira é apenas questão de tempo


«Roma, Setembro/2009 – A negativa do ministro do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, de aceitar o pedido europeu de regulamentação dos bónus dos executivos de bancos, deu lugar a diferentes interpretações. Algumas destacam a necessidade de o presidente Barack Obama evitar novos confrontos com a direita norte-americana, outras ressaltam a influência da antiga aliança com o Reino Unido, único país europeu que defende corporações financeiras.



A realidade é mais grave, e reside na primazia que o capital financeiro adquiriu sobre o capital produtivo, desde a queda do Muro de Berlim. Os vencedores presumiram que não só teria caído um sistema político, mas que também ficava demonstrado que o capitalismo era o único sistema possível, e procederam a despojá-lo de todos os controles e regulamentos existentes. Assim surgiu um capitalismo finalmente “livre” – e, por sua vez, auto destrutivo.

Enquanto, nos anos 60, o sector financeiro abarcava pouco mais de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano, em meados da década de 2000, mais do que duplicara, com 8% do PIB. Os protagonistas do mundo económico actual, com excepção de Bill Gates, procedem das finanças, de Warren Buffett a George Soros e Bernard Madoff. Antes, eram industriais como Rockefeller, Ford ou Hilton. Porém, nenhum deles sonhou com um bónus de US$ 500 milhões como o que foi destinado, em plena crise, ao presidente do fundo de investimentos Blackwater.



Com poucas excepções, os quadros políticos e técnicos dos governos vêm das finanças. Geithner era presidente do Federal Reserve em Nova York. Laurence Summers, conselheiro económico de Obama, é um homem da equipa financeira de Robert Rubin, o ministro da Economia de Bill Clinton, que foi o professor dos defensores do livre mercado. Hoje, Obama não encontra quadros novos. Não por acaso muitos dos líderes da Economia europeia, como o governador do Banco Central da Itália ou a ministra da Economia da França, provêm de bancos norte-americanos.



No começo desta recessão, que aumentou o número de pobres no mundo (em mais de 200 milhões, segundo as Nações Unidas) e elevou o desemprego a 8%, muitos a viram como uma crise purificadora. Como disse Rahm Emanuel, principal assessor político de Obama, “nunca se deve desperdiçar uma crise”.

Falou-se de um novo Bretton Woods, a Conferência de 1944 que criou a actual arquitectura económica internacional (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional). Em Março deste ano, Geithner pediu que fosse dada ao governo a capacidade de assumir o controle de instituições em crise, como a Lehman Brothers, para evitar que seu colapso contagiasse o sistema financeiro. Nada foi feito, até agora.



A questão da função do Estado para controlar os desmandos financeiros, central no governo de Franklin D. Roosevelt, que precisou enfrentar a Grande Depressão nos anos 30, desapareceu do discurso de Obama. E não pode ser de outra forma, quando uma parte importante do povo norte-americano acredita que seu presidente nasceu no Quénia, não no Havai, que é um comunista, e que (horror dos horrores!) quer europeizar os Estados Unidos com sua reforma sanitária, que contempla a intervenção do Estado para garantir esse serviço a 40 milhões de cidadãos sem cobertura médica.



Entretanto, teria sido possível uma reforma radical do sistema financeiro? Nos últimos anos, os Estados Unidos mudaram tão fundamentalmente suas crenças e tendências, que falar de um segundo Bretton Woods era mais um sonho do que uma realidade. A verdade é que Bretton Woods se sustentou sobre a ideia de que a Grande Depressão foi a parteira do nazi-fascismo, já que Adolf Hitler e Benito Mussolini chegaram ao poder graças à crise económica e social causada por actividades especulativas descontroladas, desembocando na tragédia da II Guerra Mundial.



No debate na Câmara de Representantes dos Estados Unidos que precedeu Bretton Woods, Harry Dexter White, que foi, junto com John Maynard Keynes, um dos pais da Conferência, afirmou que, provavelmente, teria sido possível evitar a II Guerra Mundial, se na década de 20 existissem as instituições criadas pelos acordos de Bretton Woods.



Em uma frase famosa, Keynes comparou a especulação financeira com um jogo de azar. “Não podemos esperar um grande bem de uma situação na qual o desenvolvimento de um país se converte no subproduto das actividades de um casino”. Roosevelt foi igualmente explícito: “É preciso estabelecer uma supervisão muito rígida dos bancos, dos créditos e dos investimentos. Deve-se acabar com a especulação do dinheiro das pessoas”. E em seu discurso inaugural fustigou “as práticas dos mercadores do dinheiro sem escrúpulos, que a opinião pública condena”.



Hoje, é possível esta linguagem bíblica e uma verdadeira reforma das instituições financeiras privadas? Segundo as últimas estatísticas, estas levaram 75% dos recursos destinados pelos governos para a recuperação económica. Se nada de fundamental mudar, quanto tempo vai demorar até a próxima crise? As declarações que culpam os banqueiros por sua irresponsabilidade – e que incluem Obama – pouco, ou nada, significam por si mesmas, embora sejam feitas de boa fé. O fato é que as medidas tomadas, ou previstas, até agora pelos governos e bancos centrais estão muito longe de significar uma indispensável reforma sistemática e profunda.



Se a única certeza derivada desta tragédia é, como parece, que não se deixará os bancos quebrarem, embora suas actividades, os levem à beira da bancarrota, significa que não têm impedimentos para retornar impunemente às suas práticas especulativas e recriar as condições para uma nova catástrofe que, uma vez mais, será paga pelos povos contribuintes.» IPS/Envolverde - Enviada por AB

* Roberto Sávio é fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service (IPS).


Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...